- Área: 334 m²
- Ano: 2018
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Fotografias:Jordi Anguera
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Fabricantes: Azul Acocsa, Azul Tierra, Contract Deco, EGOSOFAS, Ecoclay, Pilma, Pio, Sit&Down, Traç Cuines, Zehnder
Conceito
O terreno do projeto está situado em Cerdanya, um antigo vilarejo que começou a ser reocupado há uns quinze anos e que atualmente conta com apenas cinco casas. O lote possui uma posição privilegiada, cercado por uma natureza exuberante e vistas fantásticas para o Parque Natural del Cadí e o Valle de la Cerdanya. O projeto foi condicionado pelas exigentes regras de construção local, as quais obrigam os arquitetos a empregar apenas materiais tradicionais da região, desde a pedra até o telhado inclinado de telha cerâmica. Com o projeto da casa ceretana os arquitetos pretendem integrar esta nova estrutura na paisagem local e em seu entorno construído, utilizando a mesma materialidade e elementos da arquitetura vernacular: fachada de pedra, cobertura de telha cerâmica, um amplo jardim e uma varanda de acesso.
Para nós, foi um desafio muito grande ter de projetar e construir uma casa apenas com materiais vernáculos e elementos tradicionais e ao mesmo tempo propor uma arquitetura que fosse contemporânea, com uma atmosfera acolhedora. Em primeiro lugar, decidimos projetar esta casa com uma estrutura completamente construída em madeira, direcionando o projeto segundo estratégias bioclimáticas de modo a alcançar a máxima eficiência e sustentabilidade. Optando por este sistema construtivo seríamos capazes de reduzir, e muito, os resíduos da construção. Neste momento, já contávamos com três materiais diferentes para o desenvolvimento do nosso projeto. A pedra e a telha, devido as regras de construção locais, e a madeira, escolhida por questões técnicas e construtivas. Um dos principais objetivos era tentar resolver a grande maioria dos elementos do projeto utilizando apenas estes três materiais. Além disso, optamos por incorporar alguns detalhes utilizando o ferro, aplicado para resolver tanto os acabamentos quanto o mobiliário.
O terreno possui uma inclinação considerável de até 20%. A nossa intenção foi construir uma casa de apenas um pavimento, para integrá-la ao máximo com o amplo jardim. Propusemos então o acesso principal da casa no nível da rua, apenas a garagem e o hall de entrada nesta cota, reunindo todo o restante do programa em uma cota a 2,60 metros abaixo do nível da via. Esta decisão nos levou a enterrar parte da casa, uma estratégia utilizada para integra-la ainda mais à topografia do terreno. O lote, um retângulo de lados quase iguais, possui orientação sudeste, o que nos permitiu criar uma planta em forma de "L", com duas alas perpendiculares que correm paralelamente aos limites do terreno: a área social, com os principais espaços de convívio e a área íntima, aonde encontram-se os dormitórios. O muro de pedra sobressai ligeiramente à cobertura, realçando ainda mais este conjunto de formas simples, predefinidas pelas características da parcela, emoldurando esta série de inclinações e ângulos, simplificando a geometria do conjunto.
Ambos os telhados inclinados das duas alas da casa, convergem para o pátio, criando um beiral continuo ao redor da casa além de uma grande varanda coberta em uma de suas extremidades. O volume de conexão entre as duas alas, possui dois pavimentos, e é o único que possui a cobertura invertida, inclinada para o outro lado de forma a também criar um acesso coberto junto ao acesso da casa. O volume da fachada revestido de pedra apresenta dois intervalos, um junto ao quartos e outro junto a ampliação da varanda. Estes hiatos se transformaram em fachadas de madeira, o material que se revela quando eliminamos a envoltória de pedra, deixando claro a importância da madeira como material elementar da construção da casa. A mesma estratégia também foi aplicada junto ao acesso principal, aonde esta lacuna entre as empenas de pedra revela o vestíbulo de entrada revestido de madeira.
Na arquitectura vernacular, as casas são mais introspectivas, fechadas em si. Elas se protegem do exterior, se isolam deste mundo que não as pertence. Em contrapartida, o nosso projeto, embora implantado em um entorno rural, se fecha apenas para o acesso junto à rua e ao lote vizinho, mas por outro lado, se abre completamente para o jardim, desfrutando da paisagem e emoldurando impressionantes vistas em cada um dos espaços interiores. O ato instintivamente humano de reunir-se ao redor do fogo, transformado em um momento mágico de convívio em familia, foi um dos conceitos que decidimos manter tal qual. O grande espaço aberto da área de convívio da casa possui uma série de pequenas salas íntimas, acolhidas entre o mobiliário que abraça estes espaços e configura momentos arquitetônicos aconchegantes típicos das casas de montanha. O sofá ao redor da lareira, o banco, a mesa, a ilha da cozinha, vão marcando o ritmo dos diferentes cômodos dentro deste enorme espaço contínuo.
Distribuição
A entrada principal da casa se dá junto ao nível da rua. Seguindo o percurso até o nível principal da casa, nos deparamos com duas janelas emoldurando as vistas para o vale e para as montanhas do Parque Natural del Cadí. O nível térreo, com suas duas alas em forma de "L", encontram-se claramente diferenciadas, para um lado temos a área social completamente aberta e com orientação sudeste, e do outro lado a área íntima, orientada para sudoeste. Entre os dois eixos da casa há um desnível de 55cm que foi fundamental para adaptarmos melhor o projeto junto ao terreno em declive. O corredor de acesso aos quartos é um espaço estreito e de pé direito alto, aonde implantamos uma abertura genial contínua que inunda o interior com uma luz natural vívida, criando uma atmosfera agradável a um espaço residual. Como a parede lateral do corredor é também um muro de arrimo, utilizamos argila de forma a controlar melhor a umidade no interior da casa.
Projetamos três dormitórios exatamente iguais, planejados para cada um dos três filhos do casal. Atualmente dois dos três quartos estão unificados em um único espaço de modo a criar um quarto maior para as crianças, isso para aproveitar que quando pequenos, eles possam desfrutar de uma área maior para brincar e possam dormir todos juntos. Neste momento, o outro quarto fica reservado para os hóspedes enquanto que mais ao fundo, encontra-se a suíte principal. As pias dos banheiros foram incorporados aos dormitórios e somente o chuveiro e o vaso encontram-se em um espaço fechado. Voltados para a fachada, estas áreas molhadas possuem ventilação e iluminação natural, sem falar que desde o chuveiro é possível contemplar as deslumbrantes vistas para as montanhas. Na suíte do casal, além do sanitário e do chuveiro, o volume também abriga uma banheira com uma janela mais baixa com o mesmo objetivo de proporcionar amplas vistas para a paisagem do vale.
A estrutura de madeira e o fato de ser uma casa tão isolada, nos obrigou a considerar questões relativas a estanqueidade e a renovação do ar com muito cuidado, o que só foi possível através da incorporação de um sistema de recuperação de calor de fluxo duplo. Este sistema permite que a casa respire, garantindo a salubridade do espaço interior continuamente. A madeira é a grande protagonista do projeto de interiores, todas as paredes e forros da casa foram executados em madeira de abeto, o piso flutuante foi feito com assoalho de madeira de carvalho natural, com um tom muito parecido aos outros elementos da casa. O trabalho em madeira no exterior foi executado em madeira de pinos tratado com um verniz mate, tudo seguindo o mesmo tom.
As paredes de organização e divisão dos espaços interiores receberam uma pintura com tinta ecológica que permite a transpiração das mesmas. A estrutura dos muros e da cobertura também foi construída em madeira de pinos. Por isso, praticamente utilizando apenas um único material, tratado de diferentes maneiras, resolvemos grande parte das soluções técnicas, estruturais e de acabamento. A madeira utilizada no exterior é de pinos preto. Os demais materiais são: as pedras da fachada, as telhas do telhado e por último o ferro, empregado como um material polivalente, que nos permitiu dar acabamento em todos os detalhes menores: no exterior utilizamos o ferro para as esquadrias das janelas e calhas do telhado, enquanto que no interior empregamos na composição das luminárias, na chaminé, escadas e outros arremates diversos. O concreto foi apenas utilizado nas fundações e nos trabalhos de contenção de terra.